A criatura

 


Helena decidiu sair para correr, mesmo que o tempo mostrasse os sinais mais concretos de que uma chuva estava a caminho. Ainda assim, saiu. Naquela tarde, curiosamente, resolveu pegar um itinerário diferente do costumeiro parque central.

O clima estava muito agradável. Já havia completado os três quilómetros propostos, mas estava adentrando um trecho ladeado por mata ciliar. O verde e o balançar das copas das árvores foram convincentes demais, e ela decidiu estender a corrida.

Estava chegando à metade do caminho quando sentiu as primeiras gotas da chuva. Nesse momento, percebeu como o ambiente estava escuro e deserto. Apertou o ritmo e, à medida que corria, sentia os pingos pesados na pele. Por fim, a chuva tornou-se intensa demais, e Helena foi obrigada a parar. Por sorte, ao longo da pista de corrida, havia pontos de autocarro cobertos. Ela abrigou-se em um deles e, mentalmente, arrependeu-se da ideia maluca de correr numa área praticamente deserta com aquele tempo escuro. Tirou o celular do bolso e soltou um palavrão ao perceber que a bateria estava quase descarregada e, o pior, sem sinal de rede.

A chuva não dava sinais de que iria diminuir. Respirou fundo, arrumou os cabelos molhados sob o boné, apertou os atacadores dos ténis e encarou a pista e a chuva — precisava chegar a um lugar seguro.

O vento tornou-se agressivo e as copas das árvores, antes acariciadas por ele, agora debatiam-se freneticamente. Helena sentiu a força do vento na dificuldade de manter o trote. A claridade era mínima, e o frio começava a instalar-se. Por sorte, a malha fluorescente que vestia permitiria que fosse vista caso algum feixe de luz passasse por ela.

Vencida pela força do vento, desistiu do trote. A noite caiu repentinamente, e a chuva deu lugar a uma garoa fina. Helena, percorrida por arrepios de frio, começou a tremer involuntariamente.

Em dado momento, quase tropeçou numa enorme árvore arrancada pelo vento, que agora bloqueava a pista. Sem outra opção, foi obrigada a contornar a árvore.

Assim que pisou na relva molhada, um pássaro piou tão perto que Helena sentiu um arrepio atravessar-lhe o corpo inteiro. A noite estava sem estrelas, mergulhada numa escuridão composta por nuvens pesadas de chuva, iluminadas apenas pelos raios que cortavam o céu de vez em quando. Andar já se tornara um ato de instinto e, numa troca de passos, sentiu o chão desaparecer debaixo dos pés. O grito foi abafado pela dor e pelo impacto do corpo contra a água.

Helena caíra num buraco com cerca de quatro metros de profundidade, calculou ela mentalmente. O local era ainda mais escuro, e a água alcançava-lhe os joelhos. Limpou a boca com as costas da mão, mas continuava a sentir o sabor barrento. Com dores de intensidades diferentes espalhadas pelo corpo, procurou manter a calma, embora o coração galopasse no peito — estava aterrorizada.

Depois de algum tempo a tatear o local, tentando encontrar uma forma de sair dali, um silêncio repentino tomou conta do ambiente. Era como se até o vento se calasse para não ser notado. Helena hesitou entre gritar por socorro ou manter-se em silêncio. O medo foi tão intenso que a garganta se fechou, impedindo-a de emitir qualquer som.

Dentro do buraco, com água até os joelhos e possivelmente dividindo o espaço com insetos e bichos peçonhentos, ouviu passos. Pelo impacto no chão, percebeu tratar-se de algo grande e pesado. Mesmo no escuro, viu a projeção da sombra da criatura que passou rente ao buraco. Naquele momento, concluiu que sua decisão de permanecer calada fora acertada.

A criatura afastou-se, e os sons da natureza voltaram a ecoar — os grilos e os pios dos pássaros noturnos preencheram o ar. O raciocínio de Helena normalizou-se, e ela lembrou-se do celular. Um por cento de bateria. Desbloqueou-o e, instintivamente, enviou a localização para a única pessoa que lhe veio à mente. Contudo, quando começou a digitar a mensagem, o aparelho desligou-se.

Sem saber o que fazer, Helena gritou. Não sabia se a mensagem seria entregue ou se a pessoa a quem confiara sua vida teria condições de chegar até onde estava. A garganta ardeu, e ela parou de gritar, voltando a explorar o lugar com as mãos. Por sorte, encontrou uma raiz e, ao puxá-la, ficou extremamente feliz ao perceber que era firme. Apoiada nela, começou a tentar escalar.

Os dedos afundavam no barro, agarrando-se como podia. Algumas partículas de terra caíram-lhe nos olhos. Helena piscou várias vezes para expulsar os grãos que ardiam, mas isso apenas aumentou a produção de lágrimas.

A garoa tornou-se mais forte, tornando a subida ainda mais difícil. Quando finalmente a mão alcançou a borda do buraco, sentiu algo a mover-se na perna direita — justamente a que sustentava o peso do corpo. O bicho movia-se rapidamente. Helena imaginou que fosse um escorpião, e o pânico fez com que perdesse o equilíbrio. Quando estava prestes a cair novamente no buraco, foi agarrada subitamente por alguém que a impediu de despencar novamente.

Continua...

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