Continuação...

Cristian carregava o peso da culpa, não havia um só dia em que sua mente não revisitasse aquele dia fatídico onde não dera importância a um fato que poderia ter mudado tudo. Eram jovens, gostavam de aventuras perigosas, até mesmo inconsequentes, esse talvez fosse o elo mais forte entre eles. Nathacha adorava a adrenalina, seu rosto ficava completamente iluminado quando estavam em situações que envolviam velocidade ou perigos variados.

Estavam em um acampamento, iriam escalar uma das montanhas mais íngremes daquela região, porém, dessa vez, não estavam sozinhos. Um grupo de amigos também resolveu acompanhá-los na escalada. O que Christian não imaginava é que entre os amigos estaria Eva, uma garota por quem fora apaixonado na época de ensino médio. Nathacha se sentia ameaçada por ela, mesmo que ele explicasse de todas as maneiras que isso tinha ficado no passado. O simples fato da presença dela deixava Nathacha irritada, o que refletia nas suas ações diante de situações de risco. Todos conversavam animadamente ao redor da fogueira, começariam a escalar nas primeiras horas do dia.

O acampamento era bem no pé da montanha, o ar da noite estava gelado e uma densa neblina cobria o céu. O grupo estava animado, bebiam e cantavam ao som de um vilão que um dos meninos dedilhava muito bem. Nathacha bebia seu conhaque um pouco afastada do grupo. Cristian tentou por diversas vezes integrá-la ao grupo, sem sucesso, mas estava tão eufórico com os amigos e também sob influência do calor da fogueira e da bebida que não dera a devida importância ao que acontecia. Em um certo momento, um dos meninos sugeriu que todos pulassem no rio, pelados. Foi uma sugestão em forma de desafio, em meio a risadas e protestos, o grupo se despiu e correu em direção ao rio.

A temperatura estava em torno dos 10 graus, porém a água estava deliciosamente morna. Continuaram rindo e conversando. Cristian então se deu conta de que quem estava do seu lado não era Nathacha, imediatamente saiu à procura da namorada. Não a encontrou perto da fogueira, andou ao redor do acampamento e não obteve sucesso na busca. Com o coração acelerado, chamou e ninguém respondeu. Entrou na barraca e, mesmo no escuro, seu interior foi preenchido pelo cheiro dominador do perfume dela. Acendeu a pequena luminária e se deparou com a namorada enrolada no cobertor. Aquela cena acalmou seu coração de uma forma que até ficou apertado no peito. Deitou ao lado dela para fazer um carinho, tomou um susto quando foi subitamente dominado por golpe de jiu-jitsu. Ela sorriu e o beijou de forma selvagem e urgente, ficou surpreso ao perceber que ela estava usando apenas uma pequena calcinha branca, que não cobria nada, mas a deixava ainda mais sexy e apetitosa. Aproveitou aquele momento para admirar a beleza da namorada. Seu cabelo volumoso deixava seu rosto misterioso e, quando sorria, seus olhos claros brilhavam convidativos, amava aquela mulher. Com um movimento certeiro e firme, trouxe-a para mais perto, segurando sua nuca, beijou-a com urgência e sofreguidão, segurou sua carne macia, esfregando-se nela, ouviu um gemido e isso inflamou ainda mais seu desejo, beijou seu pescoço e desceu para os pequenos mamilos enrijecidos pelo toque, contornou a auréola com a língua enquanto sentia Nathacha se contorcendo sob seu corpo. – Cris... – ela tentou pronunciar seu nome, mas foi impossível concluir, sua boca explorava o corpo todo, as mãos no cabelo de Cristian tentavam puxá-lo, mas, ao mesmo tempo, lhe indicavam o caminho a percorrer, e ele prazerosamente saboreava cada contorno com a língua, com a boca, beijando, sugando, acariciando e guiando-a para o êxtase. Esse momento era composto por uma linguagem própria dos dois, era mútua, entendiam muito bem, e quando sentiu que ela estava se aproximando do ápice do desejo, mergulhou por completo em seu corpo, unindo-se a ela, deixando seu corpo falar por ele.

Quanto mais fundo ele chegava, mais intenso ficava o beijo, apertado e duro, selvagem, em uma explosão de luxúria e tesão, chegaram juntos, suados e com sorriso bobo no rosto, ao mais intenso gozo do prazer, um tremor percorreu o corpo de Nathacha, Cristian sorriu, sabia do poder que tinha sob o corpo dela.

Ficaram por um tempo ainda, na mesma posição, ele tentando ajeitar-lhe o cabelo, que desgrenhado, ganhava ainda mais volume. Ela então o beijou demoradamente e pediu:

- Cristian, vamos embora?

- Como assim, vamos embora? Estamos planejando essa escalada há pelo menos um mês, nossos amigos estão lá fora. Se é por causa...

- Não, - interrompeu Nathacha – vamos para casa, por favor.

Ele, então, abraçou-a apertado, beijando seus cabelos, não disse nada, no seu coração era só uma insegurança boba da namorada, resolveu que escalaria sem ela, a deixaria dormindo, e quem sabe, quando acordasse, ele já estaria de volta. Não disse nada, mas decidiu que seria assim, porém não contava com a mão insana do destino.

Antes de sair, escreveu um bilhete dizendo que a amava muito. Achou melhor deixá-la dormindo. Olhou mais uma vez o rosto da namorada, que dormia relaxadamente. O grupo saiu silenciosamente do acampamento, a manhã gelada ainda estava escura e com ares de chuva, munidos do equipamento, agasalhos e muita adrenalina, começaram a subir.

Nathacha acordou com uma fresta de claridade em seu rosto, sem abrir os olhos, tateou em busca de Cristian, não encontrou, suspirou fundo, e agora furiosamente desperta, abriu os olhos e logo avistou o bilhete, passou os olhos pela mensagem e seu coração doeu, se sentiu traída, deixada para trás, maldosamente o riso de Eva invadiu seu subconsciente, a raiva tomou conta da sua consciência, não raciocinou, levantou e se agasalhou, riscou algumas palavras no papel e saiu da barraca para receber o vento gelado e a neblina no rosto. Fechou a jaqueta e colocou o capacete, deu partida na GSX-R 1000 A preta, nos fones, a música do Reação em cadeia, despedida era um sinal estranho que não a fez mudar de ideia. A moto ligou no primeiro contato com o botão, o pneu traseiro jogou um jato de grama e terra quando a marcha entrou e a embreagem foi solta. Agora seria ela, o vento, a adrenalina encheu suas veias de energia e ela acelerou ainda mais.

O asfalto era cheio de curvas, uma densa neblina encobria parte do horizonte, o ronco do motor e a música se misturavam, a música mudou e começou a tocar Me chama, do Lobão, os olhos claros foram invadidos por lágrimas teimosas, o coração acelerou e ela gritou, gritou até a garganta arder, a moto entendia essa dor, dor inexplicável de quem se via sem lugar no mundo, como se fosse uma árvore sem raiz, que qualquer vento arranca. Uma chuva mansa começou a cair, as marchas entravam, impulsionando ainda mais a moto, as lágrimas e a dor da incompreensão preenchiam o coração de Nathacha.

A chuva ganhou força e se juntou com a neblina, e com lágrimas de dor nos olhos, em uma das curvas ela deixou que o destino guiasse sua vida, fechou os olhos, a curva era fechada e ladeada pelas paredes rochosas da montanha, o impacto foi engolido pelo clarão da explosão, por um instante o dia escuro tornou-se claro, mas logo foi novamente tomado pela chuva forte e clarões de relâmpagos furiosos, rebatidos por trovões graves e assustadores.

A descida do grupo que estava escalando foi perigosa, por vários momentos um dos integrantes escorregava nas pedras lisas e molhadas pela chuva. Cristian sentiu um aperto no peito, precisou ser amparado por sua dupla de escalada.

- Ei, cara, você está bem? – perguntou Marcelo, um dos amigos, com uma expressão de muita preocupação.

- Está tudo bem, mais alguns metros e estaremos em solo firme. – Tentou se acalmar, Cristian, mas seu coração não se acalmou, estava atordoado como nunca estivera.

O grupo chegou ao ponto de início da escalada, muita chuva, todos se abraçaram em êxtase pela conquista e por estarem em terra firme, sãos e salvos. Cristian se desvencilhou dos abraços e correu em direção à barraca onde deixara seu amor dormindo. Entrou correndo e chamou por Nathacha, o lugar estava vazio e gelado, o cheiro do perfume dela não estava no lugar, o que imediatamente o fez compreender que ela havia deixado o lugar há bastante tempo. Instintivamente, seu coração acelerou e apertou ainda mais em seu peito.

O desespero estava tomando conta dele, e foi nesse momento que ele avistou o bilhete deixado por ela. Os olhos engoliram as poucas linhas escritas por ela, por cima da escrita que ele deixara. A mensagem estava carregada de dor e ressentimento: “Estou indo embora para sempre, não me sinto suficientemente boa para você, esteja livre, Cristian”.

Marcelo entrou correndo, tirando-o da inércia da dor e dando um choque de realidade.

- Cara, a moto da Nathacha não está no estacionamento e, pelo rastro que deixou, ela saiu chutada.

Naquele momento, Cristian compreendeu o que estava acontecendo, e como se não bastasse, o barulho da sirene da polícia interrompeu o momento, todos saíram para ver o que estava acontecendo.

Um policial se aproximou do grupo, sua expressão era séria. Cristian sentiu as pernas fraquejarem. “ Bom dia, pessoal, sou o agente Bruce, soubemos que um grupo estaria escalando a montanha esse final de semana, por isso deduzi que seria um dos integrantes de vocês, a notícia não é boa, houve um acidente...” daquela palavra em diante, Cristian ligou o automático e se viu mergulhando em um abismo escuro e frio, a voz do policial ecoava em sua mente, porém ele não compreendia, não sentiu mais as pernas.

Marcelo e mais um dos meninos o seguraram para que não caísse, mas não puderam contê-lo, caiu ao chão gritando desesperadamente, foi amparado pelos amigos enquanto o policial indicava o lugar do acidente para que pudessem ir até lá e então fazer o reconhecimento da vítima.

Sem condições para pilotar, foi levado pelos amigos que estavam de carro. O céu escuro e frio deixava aquele momento sombrio e doloroso ainda mais difícil. Ao chegarem ao local, todos foram acometidos pelo sentimento de incredulidade diante da cena terrível que se via. A moto totalmente destruída pela explosão deixara as marcas no asfalto, peças espalhadas e um pequeno amontoado de latas era o que havia sobrado de tudo. Os olhos iam captando os detalhes e tentando imaginar o que se passara ali.

- Desculpem, mas a imagem que verão não será fácil, mas é preciso. Mesmo que a vítima portasse documento, precisamos que mais alguém identifique o corpo para darmos prosseguimento nos trâmites legais.

- Eu posso fazer isso. - Se prontificou Marcelo.

- Não. – Adiantou-se Cristian, já indo em direção ao lugar apontado pelo policial.

Os anos de aventuras e loucuras passaram diante dele, como se num relance vivesse novamente tudo em fração de segundos, estava diante de um corpo carbonizado, quase impossível identificar, mas as pequenas partes que restaram não deixavam dúvidas, era dela, chorou copiosamente, tentando em vão poder voltar no tempo, aceitar a proposta de Nathacha em ir embora, ainda estariam juntos, poderiam voltar em outra circunstância para escalarem juntos aquela montanha, mas agora, não teria mais nenhuma oportunidade, não poderia mais sentir os cabelos em suas mãos ou emaranhados em seu travesseiro.

Foram meses sem sair de casa, remédio para dormir, terapia, amigos que se revezavam na tentativa de fazê-lo sair de casa, e quando finalmente voltou ao trabalho, na primeira oportunidade, pediu transferência para outro lugar, para tentar respirar novamente. Mesmo depois de muito tempo, ainda era visitado pelas crises de ansiedade, o pânico tomava conta do seu corpo, algumas eram tão fortes que nem mesmo o remédio era suficiente, então ele recorria à adrenalina para tentar conectar mente e corpo. Era uma forma de encontrar novamente Nathacha. Aquele dia, na estrada, o déjà vu veio forte: a chuva, o escuro, o perfume, mas entendeu que aquele era um sinal. Nathacha estava bem, estava dizendo para ele seguir.

Esse sinal se concretizou no dia em que foi convocado pela polícia para os últimos esclarecimentos do caso da estrada. Enquanto relatava mais uma vez os detalhes do ocorrido, de como havia encontrado a vítima naquele dia, foi interrompido pelo policial que colhia seu depoimento. – Olá, senhora Natália, estamos encerrando o caso hoje, esse aqui é o senhor Cristian, foi ele quem a socorreu naquele dia.

Cristian não precisou se virar para saber quem estava atrás dele, mesmo antes de o policial começar a falar. Seu coração estava aos pulos pelo cheiro do perfume que invadira todos os seus sentidos, despertando seu corpo novamente.

- Obrigada. – disse ela, estendendo a mão. Estava fora do controle emocional e não poderia estar dirigindo sozinha.

Cristian apertou a mão, mas ficou receoso de olhar o rosto da mulher perturbadoramente familiar que estava diante dele, porém não teve como evitar, era a mesma morena de cabelos pretos que ele havia tirado do carro inconsciente, porém, os olhos claros, agora despertos e olhando fixamente para ele, deixaram-no fraco, precisou se sentar novamente.

Déjà vu...

 



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