A tarde gelada encontrou a casa praticamente adormecida após o almoço. Na sala, o crepitar do fogo exalava conforto, mas um par de olhos inquietos se projetava além da janela. Suspirou. Fechou o livro. Caminhou até a porta, fechou o casaco até a gola e saiu para o ar gelado. À medida que se distanciava da casa, apreciava ainda mais os detalhes do inverno, amava observar a cascata de folhas caindo, dançando com o vento. Mas seu peito doía, estava ocupado de angústia, precisava arrancar aquele sentimento de lá. Foi caminhando, olhando as flores dos ipês-rosas, os animais correndo pelo pasto rasteiro, o cinzento do céu contrastando com os pontinhos pretos de pássaros voando pela imensidão de nuvens. Estava caminhando em transe, e só foi arrancada dele pelo som forte das águas da cachoeira. Já havia passado dos limites da propriedade da sua família. Nem ao menos fazia ideia da distância que estava de casa. Mas parou para admirar a forma majestosa daquelas águas.
Estava completamente absorvida pelas águas, consumindo aquela energia, respirando o oxigênio limpo daquele ritual, porém o som de um tiro a fez perder o equilíbrio, caindo na água. Foi tomada pelo desespero, não sabia nadar, tentou gritar por socorro, mas se viu engolindo água, afundando e emergindo. Erguia as mãos, não conseguia ver nada além da neblina causada pela força das águas. Tentava manter a calma diante do terror causado pela imensidão escura sob seus pés, mas foi lançada contra uma pedra e perdeu os sentidos. O corpo frágil começou a afundar, agora inerente a toda a imensidão de água, seu rosto estava coberto pelos cabelos, agora o peito estava desprovido da angústia anterior, mas estava em uma guerra contra tudo e todos para mantê-la viva. E foi nessa fração de segundo que a água foi cortada pelo mergulho de um corpo mais pesado. Esse corpo atingiu facilmente seu objetivo, puxando-a para a margem da cachoeira. Não perdeu tempo e iniciou rapidamente as manobras para trazê-la de volta.
Comentários
Postar um comentário